sexta-feira, 19 de março de 2010

Entornado Leite




Eu nasci cego neste novo mundo
Que, como um andarilho, percorreria
Sem rumo, de porta em porta, pedindo
Qualquer raspa e resto, uma doçura fria.

Porém vem-me ela, fazendo-se de guia,
No instante em que quis segurar minha mão
E, de toda sujeira e chuva que caía,
Quis dividir comigo sua proteção.

Depois disso, meio que mãe, meio que amante,
Aninhar-me-ia pr’a, de seu esquerdo peito,
Sorver sua essência, seu entornado leite.

Ó amada mãe, repouse-me no leito
Que, de teu ventre, serei renascente.
Ó mãe amada, reze-me o eterno acalento.

19/03/10

terça-feira, 9 de março de 2010

O PEREGRINO


I – O Abismo

O que há aqui é a solidão. Estou no planalto,
O Sol no horizonte; crepúsculo ou alvorada,
Pouco sei, mas sei de sua luz lânguida
Prostrada na terra por seu frio vento.

Abaixa há vozes de amantes, um grito
De gozo, um sussurro. Musicalmente
Um tambor convulso (ou um coração?) bate
Regido pelo paladar do Fruto.

Se miro o meu olhar para o abismo, nada,
Além do escuro e do mistério, é visto
Porém sei que o fundo é uma nova saída:

Se pular, eis a minha alma escaldada,
Eis os vermes da terra e o rompimento
Da tripa, eis a criatura renascida.

03/03/10

II – O Destino

O meu destino derradeiro é fugir
Tanto daquela, quanto desta outra opção,
Tanto da incerta frieza da solidão,
Quanto da dor abismal de meu cair.

O meu destino final é meditação
Eterna sobre as vozes que vivo a ouvir;
Imparmente atraem-me à alegria de meu devir.
Qual destas duas vozes não é a perturbação?

Se vier o crepúsculo, eu devo pular,
E se subir o meio-dia? Fico a um passo
O meu destino é prosseguir no limiar

Da vida, à espera atemporal do quando
Vindo do astro. Por enquanto, eu não passo.
O meu destino verdadeiro é o medo.

05/03/10





III – O Fico

A brisa do otimismo, por um piscar
De olhos, traz o frescor a minha mente,
Levando à tona o que então estava latente
E que antes se admitia sem nenhum pesar.

Atribuo-me uma posição paciente,
Cujo risco é menor. Eu devo ficar.
Demais é o perigo a quem não se expõe ao azar
E depois, ao prêmio, se faz ausente.

Os meses, os anos e o tempo todo
Desafio, fico até que seja eu um bocado
Sem brilho de carne, pele e de osso

Para que não reste vivo remorso
Daquilo que um dia pode ser vivido.
Em prol de uma chance, eu digo “fico”!

07/03/10

IV – O Cego

Não! Eu vou atrás do batuque e do tambor,
Abdico de mim mesmo e caio no oculto,
Em uma viajem da qual não mais volto.
Eu devo pular. O que perdeu o valor,

Durante o tombo, a mim estará junto,
E quando vierem os vermes, sem horror,
Tudo romperão e, com terra, sobrepor
Irão, minha alma, meus olhos, meu peito.

Renuncio às incertezas de um futuro
Expectado em favor daquilo que não
Imagino nem planeio, mas procuro.

Pois, se, quando desenterrar-me do chão,
Estiver o Sol em brilhante agouro,
Indiferirá a quem já perdeu a visão.

09/03/10